Ao longo do mês de Dezembro destacamos um disco por dia. Novidades 2020, reedições ou, até, edições de anos anteriores. A essência é que seja um disco com significado para nós ao longo dos últimos meses. Num ano atípico para todos, mas também num período de grande mudança para a Flur.
O Sun Araw de "Heavy Deeds", "Beach Head" e "On Patrol" criou um som forte que ligava rock psicadélico com dub. O novo aí não era importante, o que contava era lo-fi, nada prepotente, com que dava elasticidade ao seu som. Mais de uma década, e após n experiências e colaborações que refinaram o seu gosto e modos de criar, entrega "Rock Sutra". Lançado para um mundo fechado - 3 de abril - e com uma sonoridade elíptica que distorce qualquer noção de tempo. "Rock Sutra" tem de tocar horas a fio para o tempo deixar de ser real. É um regresso ao passado, às ideias originais, depois de ter feito o percurso todo. Por vezes é preciso voltar à base. Sabe bem.
"Rock Sutra" é descrito ainda como Space Rock, mas o termo ainda convoca mais Hawkwind e a geração de bandas neles inspiradas do que o que acontece aqui. Cameron Stallones avança passos mesmo em relação ao que já gravou como Sun Araw e institui aquilo a que chama "sensação sem articulação". Gravadas ao vivo para MIDI, as canções soam compostas de retalhos, em que a voz é apenas mais um, entregue na mistura com espaços entre as frases, num tipo de som e ritmo que, de alguma forma, recordam Laurie Anderson. Descompensado, aparentemente sem rumo e seguro somente por noções aproximadas de rock e funk (e não é nada disso), "Rock Sutra" transmite, paradoxalmente, uma segurança de intenções nesta amálgama possibilitada pela electrónica, uma delicadeza melódica, sempre à beira do colapso, e uma vocação paisagista que, em "Catalina", praticamente nos coloca na areia, ao Sol, julgando ouvir dub."