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2020 #8 - "Fé/Vazio"

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Ao longo do mês de Dezembro destacamos um disco por dia. Novidades 2020, reedições ou, até, edições de anos anteriores. A essência é que seja um disco com significado para nós ao longo dos últimos meses. Num ano atípico para todos, mas também num período de grande mudança para a Flur.



O comprar local não se deve reduzir só a materiais. Há também as ideias. E é com as ideias que se chegam ao som. Parte do nosso trabalho é também promover e dinamizar o local. Outra parte é compreendê-lo, tentar dar a volta à agulha de que as tendências têm de ser definidas lá fora: não só em volta de quem está lá fora, mas também de quem está lá fora e olha cá para dentro.

Contudo, comprar local não é só olhar para as dinâmicas por cá. E nem só olhar para o local com uma coisa fechada: porque isso é negar o próprio local em 2020. Quando olhamos para um disco como “Fé/Vazio” só pensamos em como é redutor, por vezes, pensar nesta música apenas como seguidista, influente disto ou daquilo, um sorvedor do que vem lá de fora. Como se quem cria fora dos polos estivesse que estar sempre refém ao resto.

O local também nos deveria tirar os entraves de que temos de viver com o estigma de colónia cultural, no que diz respeito à música. O local tem de ser local para resistir. Para ser universal. E para voltar a ser local. Não dançámos muito na pista em 2020. Mas serpenteámos com Serpente.


Bruno Silva encaixa nas suas diversas peles um momento único de realização entre distopia e utopia. Serpente e Ondness têm crescido paralelamente, um em confronto com a dança, o outro num constante encontro e desencontro com ela. Habitam em planetas diferentes da mesma galáxia. À medida que evoluem encontram pontos de convergência, actualmente com uma procura incessante na alta definição da electrónica da Warp dos 1990s.

Fé/Vazio” segue “Parada” do ano passado, também na Ecstatic, e entra nas vidas em 2020 como música de dança pensada para pistas canceladas. “Fé/Vazio” é anterior ao corte, mas ouvi-la hoje e conhecendo a realidade é impossível evitar a conexão. Afinal, Serpente vive na ficção e hipnotismo de narrativas alternativas e pode ter encaixado a realidade antes dela existir. Distopia em criação. “Escalpe”, faixa que encerra o álbum, está cheia de sons que direccionam para pontos de fuga, como se não bastasse a multitude de géneros de “Fé/Vazio”, Serpente quer ainda deixar o ouvinte noutras rotas, entre a paranóia, dispersão e a vitalidade da imaginação.

Música de dança como não se imagina, banda-sonora para um mundo que não se quer vazio, onde o jazz espiritual convive com o techno de Detroit e Chicago. Qual Theo Parrish. Há qualquer coisa de urgente aqui como não ouvíamos desde o primeiro álbum de Burial. Electrónica de vanguarda. De cá para lá e de lá para cá. Importantíssimo.