Unrecognisable
Lolina
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Em Lisboa não existe nenhum edifício como o The Shard (Londres). Vê-se de todo o lado - passe o exagero - e se em tempos esta ideia de "se ver em todo o lado" era um sinal de símbolos de uma cidade enquanto elemento funcional para a população (para a de dentro e a de postal), o The Shard representa algo que está errado nas cidades contemporâneas. Quando se olha para o The Shard percebe-se imediatamente que não nos pertence. Ignore-se o conceito de propriedade privada por momentos, o que acontece nesta ideia de "não nos pertence" é que do nada estas grandes construções, estas ideias megalómanas - por coincidência ou não, sempre a puxar a forma de piço, nada de novo aí -, deixaram de fazer parte da cidade, passaram apenas a fazer parte delas próprias. The Shard é um símbolo, pelas piores razões, de Londres. É um símbolo de um tempo em que a cidade puxa os seus para fora (por seus entenda-se os que mexem, movem, puxam pelas dinâmicas de uma cidade para lá de um centro económico e posto de turismo). Em que as dinâmicas de outrora que faziam acontecer uma cidade desaparecem para favorecer propriedade de investimento: excessivamente cara, inalcançável, desabitada por defeito. Gestos de posse, lavagem de dinheiro e, claro, medição de pilas. Eis aqui que entra "Unrecognisable", Lolina (outrora Inga Copeland, outrora 1/2 dos Hype Williams) é um movimento de vários que a artista tem criado nos últimos tempos sobre estes novos edifícios serem usados como armas, de já não serem locais que nos dizem que "podem estar" mas que nos expulsam, não só de lá, mas da cidade. De uma forma material - porque não podemos lá viver - e de uma forma imaterial, porque nos dizem, através da arquitectura, que já não pertencemos àquele lugar. Talvez tudo isto faça parte de um processo - qualquer que seja ele - e, por isso, importa reportar o outro lado: aquele que não pertence lá. Lolina criou duas personagens, Paris e Geneva, que têm povoado o seu imaginário nos últimos tempos - seja em concertos como em exposições - e este LP concretiza o momento em que as duas são guias turísticas numa cidade em declínio, Londres. É um álbum-ficção que se aproxima radicalmente da verdade, onde Lolina com um número muito limitado de elementos constrói canções curtas, de beats raros, rarefeitos e secos, com a sua voz por cima a descrever momentos, a levantar questões, como uma agente disfarçada dela própria: Paris e Geneva são ela. A manifestação de uma artista que sente que a cidade já não tem sítios para onde tocar, onde ensaiar e que a única coisa que resta é escrever música sobre esta ansiedade permanente/contínua, que continuamos a ignorar enquanto tudo se transforma à nossa volta. É Londres, podia ser Lisboa. Não uma outra Lisboa, mas esta, sem The Shard, que se trai a si mesma enquanto aguenta um momento de que está tudo bem. Um disco novo, pujante de resistência, ideias, faculdades para voltarmos a ser perigosos enquanto pessoas activas, vivas. A cidade, afinal, é nossa.