Strata
Joana Gama & Luís Fernandes
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Em dez anos, Joana Gama e Luís Fernandes editaram cinco álbuns, compuseram bandas-sonoras para filme e televisão e música para artes performativas. Um período rico, onde as peças assinalavam a ordem piano/electrónica e havia uma noção invisível de limites. Correram-se riscos no álbum anterior, "There's no knowing" (2022), com Joana Gama a sair da zona de conforto e a entrar na electrónica de Luís Fernandes. Em "Strata" o risco é maior. Não há ordem, uma noção invisível de limites, porque não há limitações. Afinaram a ideia de unidade.
O risco é maior. Se anteriormente se elogiava a sua música como um diálogo constante, em "Strata" ouve-se um monólogo contínuo, introspectivo, que exala a sinergia criativa dos dois músicos, em busca de um som mais cru, primordial. Pense-se na criação do mundo, "Strata" existe na ideia elementar da criação, em que o chão abana, montanhas rebentam e sente-se a qualquer momento algo a ser construído. Os seis momentos deste álbum ouvem-se com uma sensação permanente de tremor. O som agita, nós sentimo-nos agitados, movidos por ele.
A direção é para cima. De edificação. Mais do que uma ideia para a frente, de genuína evolução (como o fizeram no passado), "Strata" solidifica o conforto de dois músicos que encontraram uma zona comum onde trabalharem. Essa zona comum já não é o piano e a electrónica, duas coisas distintas, mas a harmonia criada pelo convívio. Junta-se o desafio de juntar elementos do mundo natural às composições, conseguido através da inclusão de field recordings capturadas em diferentes partes do globo. Com isso, trazem novas dinâmicas de interacção e transformação para as peças. O som, o movimento, deixa de ser accionado pelo contraste e movido pela conexão de tudo.
Um dos exemplos mais notáveis acontece no segundo tema, "Wentworth", pela forma como o piano surge inicialmente, dissipa-se em ruído e reaparece camuflado. Pela primeira vez na música de Joana Gama e Luís Fernandes há um elemento óbvio do duo que quer desaparecer, transformar-se, fazendo-o de forma tímida para assinalar o gesto da mudança. A música vence o monólogo dos músicos e entra em diálogo com o ouvinte, comunicando a existência em sentido único, para cima, colocando camadas e camadas àquilo que se espera. Não é preciso ter conhecimento prévio da música deles para perceber que algo está a mudar, a acontecer, a pontuar cada momento dessa transformação.
O clímax acontece no tema final, "Geode" quando, num movimento de cima para baixo, revisitam a solidez de "Strata" e vão tirando parte a parte, até tudo parecer ruir e só se ouvirem destroços, poeira. O simbolismo em jogo, num álbum em que tudo começa e acaba, em que o novo quer-se como uma manifestação constante de início/origem e o fim rejeita o óbvio e prefere desmaterializar-se. No final uma tempestade de poeira sonora persiste como elemento de memória. A memória de uma experiência sonora que não se esquece.