Para contarmos a história de Cindy Lee é preciso recuar até 2007, ano de formação de Women, a primeira banda de Patrick Flegel (a figura que encarna Cindy Lee). Flegel forma a banda com o irmão Matt, juntamente com Chris Reimer, também na guitarra, e Mike Wallace no baixo. Foram responsáveis por um dos mais diferentes e originais discos do Indie Rock da época (mas, ainda hoje, parece que muita gente não se cruzou com o génio de "Public Strain"). Entretanto, a tragédia instala-se, Chris Reimer morre e a banda acaba. Formam-se os Viet Cong / Preoccupations de um lado (com Matt Flegel e Mike Wallace) e Cindy Lee do outro, qual encarnação livre de Pat Flegel. Cindy Lee é mais do que um projecto musical, culminando o imaginário de uma vida, mais pessoal, como um veículo de liberação de um subconsciente acorrentado a uma nostalgia por uma América estranha onírica. O primeiro "Tatlashea" soa como uma tentativa de canalização de energia primordial, de produção ruidosa, atonal, qual animal atrelado, com a voz Cindy Lee por trás, contrastante e servindo o propósito de salvação, ou de redenção, como se de um fenómeno religioso se tratasse, somente pela voz dela. Cindy Lee mostrou-se muito mais que isso: desde então, lançou uma série de discos pela sub-label da Superior Viaduct, a W.25th, combinando uma síntese imaginada a partir de toda a escola do Minimal Wave dos 80s com as habituais fantasmagorias pop herdadas da altura dos Women. Mas é em "Diamond Jubilee" que a figura de Cindy Lee se ergue terminantemente sobre o mundo. Cindy Lee é o alter ego drag de Pat Flegel - e não sabemos se esta persona misteriosa não passa disso mesmo, de uma encarnação reverencial de toda a música feita por mulheres (em parte, os Carpenters, e na totalidade, todo o legado das girl bands do Brill Building - Supremes, Ronettes, Shangri-Las) ou se é algo mais que isso. "Diamond Jubilee" é o culminar desta estética que começou há mais de 10 anos. Disco colosso, inicialmente lançado sem preço na sua forma digital, oferecendo resistência aos serviços de streaming, apelando pela via independente e servindo mais de duas horas de música sem igual. Para quem a segue desde Women, o disco começa com via directa às ideias texturais, ambientais e estéticas de Pat Flegel - largando quase inteiramente a via do sintetizador, a guitarra volta a ser o instrumento principal de expressão artística. O próprio título do disco entra em concordância com esta hipótese: é o jubileu de diamante de toda esta corrente musical, com a consciência de Cindy Lee astuta sobre o assunto. Há poucas reverências tão bem feitas como esta, soando muito a uma continuação do legado de Women, com foco mais acentuado na nostalgia fantasmagórica, sustentada por uma produção que transforma todos os instrumentos em materiais ectoplásmicos - principalmente a sua voz, que em certas músicas actua como um bloco de som espectral a aparecer e a desaparecer dos cenários levantados. Há muito que podemos dizer para vos convencer da qualidade deste disco: desde a composição metamorfoseante de "Glitz", que quase culmina numa atmosfera não muito distante de uma secção mais folk de um tema de black metal, ou "Baby Blue", uma rendição adorável do som clássico da Brill Building, ou "Dreams of You", um dos hinos românticos mais eficazes do século XXI. Várias referências musicais desaguam nesta psicadélia coberta por pó, naive e inocente, onde a guitarra de Flegel dedilha, canta e distorce apanhados espácio-temporais, de arestas já gastas, partilhando semelhança com memórias deterioradas naturalmente com o passar dos anos e deixando-nos a adivinhar se tudo aconteceu mesmo realmente como achamos. Duas horas de um disco onde não se sente propriamente a passagem do tempo - sentimos antes o recuo a uma época incerta, com sentimento feliz de anacronia. Onde estamos nós? É o mundo de Cindy Lee no seu esplendor. Um mundo de amor, vulnerabilidade e a paixão por uma América que já foi e não volta. Duas horas deste sonho-lúcido, de uma utopia à conto de fadas. O romance platónico que ninguém sabia que precisava está aqui, em "Diamond Jubilee".
Para contarmos a história de Cindy Lee é preciso recuar até 2007, ano de formação de Women, a primeira banda de Patrick Flegel (a figura que encarna Cindy Lee). Flegel forma a banda com o irmão Matt, juntamente com Chris Reimer, também na guitarra, e Mike Wallace no baixo. Foram responsáveis por um dos mais diferentes e originais discos do Indie Rock da época (mas, ainda hoje, parece que muita gente não se cruzou com o génio de "Public Strain"). Entretanto, a tragédia instala-se, Chris Reimer morre e a banda acaba. Formam-se os Viet Cong / Preoccupations de um lado (com Matt Flegel e Mike Wallace) e Cindy Lee do outro, qual encarnação livre de Pat Flegel. Cindy Lee é mais do que um projecto musical, culminando o imaginário de uma vida, mais pessoal, como um veículo de liberação de um subconsciente acorrentado a uma nostalgia por uma América estranha onírica. O primeiro "Tatlashea" soa como uma tentativa de canalização de energia primordial, de produção ruidosa, atonal, qual animal atrelado, com a voz Cindy Lee por trás, contrastante e servindo o propósito de salvação, ou de redenção, como se de um fenómeno religioso se tratasse, somente pela voz dela. Cindy Lee mostrou-se muito mais que isso: desde então, lançou uma série de discos pela sub-label da Superior Viaduct, a W.25th, combinando uma síntese imaginada a partir de toda a escola do Minimal Wave dos 80s com as habituais fantasmagorias pop herdadas da altura dos Women. Mas é em "Diamond Jubilee" que a figura de Cindy Lee se ergue terminantemente sobre o mundo. Cindy Lee é o alter ego drag de Pat Flegel - e não sabemos se esta persona misteriosa não passa disso mesmo, de uma encarnação reverencial de toda a música feita por mulheres (em parte, os Carpenters, e na totalidade, todo o legado das girl bands do Brill Building - Supremes, Ronettes, Shangri-Las) ou se é algo mais que isso. "Diamond Jubilee" é o culminar desta estética que começou há mais de 10 anos. Disco colosso, inicialmente lançado sem preço na sua forma digital, oferecendo resistência aos serviços de streaming, apelando pela via independente e servindo mais de duas horas de música sem igual. Para quem a segue desde Women, o disco começa com via directa às ideias texturais, ambientais e estéticas de Pat Flegel - largando quase inteiramente a via do sintetizador, a guitarra volta a ser o instrumento principal de expressão artística. O próprio título do disco entra em concordância com esta hipótese: é o jubileu de diamante de toda esta corrente musical, com a consciência de Cindy Lee astuta sobre o assunto. Há poucas reverências tão bem feitas como esta, soando muito a uma continuação do legado de Women, com foco mais acentuado na nostalgia fantasmagórica, sustentada por uma produção que transforma todos os instrumentos em materiais ectoplásmicos - principalmente a sua voz, que em certas músicas actua como um bloco de som espectral a aparecer e a desaparecer dos cenários levantados. Há muito que podemos dizer para vos convencer da qualidade deste disco: desde a composição metamorfoseante de "Glitz", que quase culmina numa atmosfera não muito distante de uma secção mais folk de um tema de black metal, ou "Baby Blue", uma rendição adorável do som clássico da Brill Building, ou "Dreams of You", um dos hinos românticos mais eficazes do século XXI. Várias referências musicais desaguam nesta psicadélia coberta por pó, naive e inocente, onde a guitarra de Flegel dedilha, canta e distorce apanhados espácio-temporais, de arestas já gastas, partilhando semelhança com memórias deterioradas naturalmente com o passar dos anos e deixando-nos a adivinhar se tudo aconteceu mesmo realmente como achamos. Duas horas de um disco onde não se sente propriamente a passagem do tempo - sentimos antes o recuo a uma época incerta, com sentimento feliz de anacronia. Onde estamos nós? É o mundo de Cindy Lee no seu esplendor. Um mundo de amor, vulnerabilidade e a paixão por uma América que já foi e não volta. Duas horas deste sonho-lúcido, de uma utopia à conto de fadas. O romance platónico que ninguém sabia que precisava está aqui, em "Diamond Jubilee".