Garista
Soviet France
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Álbum completo / Full album
"Garista" foi o primeiro contacto de Zoviet France com o mundo, ainda na mais sardónica primeira encarnação "$oviet France". Indispensáveis na ligação do Industrial a uma noção de música global e nos cruzamentos que aí seriam possíveis (discos como "Just an Illusion" ou boa parte da discografia de Vox Populi! são óptimos exemplos desse cruzamento com outras linhagens musicais, corroborando o sentido do termo "etno-industrial"), "Garista" foi a primeira pedra lançada nessa direcção, ainda com música de fidelidade bastante rude, directa para fita. Apesar dos instrumentos de sopro que seriam ubíquos no decorrer da discografia dos Ingleses, "Garista" apresenta mais as tentativas de domar feedback, apontando-o em direcções várias e servindo-se deles para uma expressão que tanto dá para emocional como para animal (os rugidos que se seguem na segunda faixa, aquando dos gritos e lamentos que se ouvem por trás, reforçam a expressão abstracta que Zoviet France procuravam). Barulho mergulhado em efeitos ganha novos contornos, não de sentido propriamente musical, mas com intenções artísticas que, no seu todo, pintam o quadro estranho que é a música de Ben Ponton, Peter Jensen e Robin Storey. Em "Mama Piss", ouvimos uma batida de tarola e baixo que podia ter saído de uma qualquer música precoce de Cabaret Voltaire ainda ligada aos ritmos da pós-punk inglesa, despejando em lama as vontades e as tendências da música da altura. Destaque ainda para "Nruknesh", com berros agónicos potenciados por vibratos (uma premonição de Power Electronics?), loops de vozes descontroladas e percussão ruidosa, caótica, que só adiciona à entropia controlada do primeiro esforço de Zoviet France. Banda sempre envolta num manto de mistério, não pelos membros integrantes, mas pela natureza dos sons apresentados - "como é que chegaram a este som? como fizeram com que esta voz soasse assim? que raio de sintetizador é este?" - são perguntas que surgem no melómano mais instruído nestas matérias ao ouvir Zoviet France. Nunca se sabe se o que se ouve é electrónico, electroacústico ou simplesmente acústico. Música que apela a tudo e a nada, de carácter extraterrestre, que tem tanto de fascinante como de desconcertante. E é de uma liberdade que só conseguimos encontrar na escola da música experimental, avantgarde, industrial e noise. Sim, é verdade: conseguimos cópias da reedição de 1990 deste marco na história da música inglesa. Não precisamos de dizer muito mais, pois não? Corram enquanto ainda é tempo. Este, garantidamente, fica para a história.