Picture Of Bunny Rabbit
Arthur Russell
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Ao longo dos últimos vinte anos, a sensação de descoberta da música de Arthur Russell vive-se como permanente. A razão sabe-se desde o início: o músico deixou milhares de cassetes por catalogar com música que gravava com regularidade. Algumas canções tocadas durante horas, em busca daquilo que achava certo, outras com uma outra roupagem aqui e ali. Por vezes andava à volta do mesmo, mas muito do que deixou gravado seguia um percurso natural da criação. As cassetes ficaram nas mãos do companheiro, Tom Lee, que as passou a Steve Knutson (Audika), e iniciou o processo de catalogação e de edição de muito do material que Russell deixou: quando faleceu, apenas havia um álbum editado em nome próprio, "World Of Echo" (1986). Aqui as coisas complicam-se, pensar nas compilações que a Audika reeditou, "Love Is Overtaking Me", "Iowa Dream" ou "Calling Out Of Context", é perceber que fazem parte de uma família, de um som ou ideias que o músico andava a explorar. Dá trabalho. "Picture of Bunny Rabbit" não é material que agora veio ao de cima, Knutson estava há quase duas décadas a pensar em como o poderia agrupar, juntar, para que fizesse sentido. Os nove temas foram gravados na mesma altura de "World Of Echo" e o trabalho passou por tentar perceber se faria sentido mostrar estas canções sem que fossem confundidas com o único trabalho editado por Russell enquanto vivo. O medo justifica-se, sobretudo com alguém que tem tido um cuidado exímio - e parcimónia - com uma obra que não lhe pertence, apenas foi emprestada para trabalhar. Knutson não queria que isto fosse ouvido como um companheiro de viagem de "World Of Echo", pior, como uma espécie de rótulo de lados B. O tempo engrossou as ideias, filtrou as canções que encaixariam na ideia de outro álbum do mesmo período, que na vida póstuma perde o conceito de "álbum" e ganha o de "compilação". Nenhum problema, as últimas décadas foram passadas a ouvir compilações de Arthur Russell, não à procura de uma resposta, de um mistério - o que poderia ter sido?, ou mesmo, o que era? - ou de uma justificação para o génio. Mas do aconchego de uma voz, na teia quente dos instrumentais ou a forma como os caminhos mais atribulados - "Fuzzbuster #09" - parecem bem seguros, ou até os mais seguros. "Picture of Bunny Rabbit" ouve-se como um labirinto onde as distâncias são circunstanciais e a realidade, a biografia, pouco importam. Põe-nos à volta da música de Arthur Russell, a falar do inevitável que estamos ainda a abrir. E continuaremos. Não andamos a descobrir Arthur Russell, mas a descobrirmo-nos através da sua música.